domingo, 21 de junho de 2009

DEATH RACE 2000 (1975) / Corrida da Morte - Ano 2000

Estamos no futuro, mais precisamente no longínquo e apocalíptico ano 2000. Em uma sociedade totalitária e ditatorial, visando manter o status quo e entreter as massas, o corrupto presidente dos EUA promove uma anárquica e subversiva corrida de carros onde os participantes pontuam atropelando pedestres. Soa estranho para você?

PORQUE DEATH RACE É TÃO BOM?
Pois bem: o que faz um filme se tornar um cult-movie? Quais seus elementos mais comuns? Existe uma fórmula, método ou "plano definido"? Não sei ao certo. Também não sei o que faz essa produção "B" funcionar, mas a meu ver funciona maravilhosamente bem. Seria exagero dizer que Death Race 2000 é cinema politizado e engajado, mas a crítica está lá: no tom escrachado, anárquico e na ironia dos diálogos.


Na verdade tenho uma bem humorada e tortuosa teoria para explicar porque filmes como esse, com orçamento zero e atuações duvidosas se consagram em nossas mentes e corações. Muitos vêem o mundo da sétima arte como uma linha definida onde supostamente podemos localizar os filmes dentre estes dois extremos: de um lado o lixo, do outro, a arte. Entre eles poderíamos dispor toda a sorte de criação cinematográfica, com os filmes de Kubrick bem ali à direita, mas não tanto quanto Tarkovisk, Godard ou Fellini. Já os filmes Ed Wood, considerado o "pior cineasta de todos os tempos", estariam no limite esquerdo. Razão pela qual visualizaríamos isso:

Mas vejam bem, como acredito na Teoria da Relatividade e em seus desdobramentos, quero crer que o espaço não é propriamente linear e pode ser curvado sob condições especiais. Daí se explica a razão de filmes ditos "ruins" atingirem o título de "cult". Esses filmes, de tão contrários ao senso comum "forçam o espaço a se curvar" causando uma deformação espaço-temporal que os une à margem oposta do espectro cinematográfico. Fácil de entender não?


O diretor Paul Bartel não é o que chamaríamos de discípulo de Kubrick, suas imagens são cruas e , para ser bem sincero, Death Race é um filme visualmente pobre, se considerarmos o cinema de primeira linha. Mas, na mesma medida em que afunda em defeitos técnicos, saltam-lhe atributos que carecem em muitos dos filmes de hoje. Trata-se aqui de um cinema extremamente autoral, experimental, com um contundente olhar crítico, mas também anárquico e subversivo. Não se fazem mais filmes assim.


As atuações do David Carradine e principalmente de Sylvester Stallone são de uma canastrice de causar arrepios, mas este elemento acaba pesando para o lado positivo em produções deste tipo. Death Race 2000 não se leva a sério nem por um segundo e quem ganha é o espectador quem nem por um segundo deixa de se divertir.

Lançado no Brasil com o nome de Corrida da Morte- Ano 2000, em saudoso VHS, Death Race 2000 é também uma versão totalmente adulta do desenho "Corrida Maluca" da Hanna-Barbera, mas com David Carradine (ou para quem lembra: Kwai Chang Caine) ao volante de um super-carro revestido com cartolina pintada!


O filme foi produzido pelo lendário Roger Corman, o "Rei dos filmes B". As produções de Corman (New World) sempre misturaram a modéstia orçamental com um descaramento a toda a prova, e um filme que seria por todos os cânones considerado embaraçoso para qualquer envolvido transformou-se, assim, numa deliciosa comédia de humor negro completamente insana.










Corman, a princípio, escreveu o roteiro inicial do filme, que assumiu um tom grave e sério. Mas logo percebeu que não era o enfoque certo de abordar os temas pesados. Ele decidiu que o humor negro seria a melhor maneira de contar aquela história bizarra e violenta. Chamou o roteirista Charles Griffith (do originalíssimo "A Pequena Loja dos Horrores") para reescrever o roteiro com um tom de paródia.
E o filme faz bem o seu papel. Death Race faz paródia com tantas coisas, que é difícil saber por onde começar. Temos antes de tudo uma crítica ao egocentrismo americano (Em certa altura do filme, o governo dos EUA começam a culpar o governo francês por todos os problemas da nação!). A manipulação das massas pela mídia é bem evidente também, chegando a extremos de humor negro com a figura do repórter que acompanha a violenta corrida sempre com um sorriso irrascível. Ao mesmo tempo, o sangue flui nas telas de TV de todo o país deixando a audiência animada. Há também uma crítica mais sutil quanto a ética dos grandes eventos esportivos, que todos nós sabemos, envolvem tanto dinheiro que seria ingenuidade pensar que não ocorrem manipulações de resultado.

O campeão das pistas é Frankenstein (David Carradine), que corre contra um grupo de rivais estereotipados, liderados pelo seu inimigo mortal Machine Gun Joe Viterbo (Stallone!), que tem como único objetivo matar Frankenstein. Os outros pilotos incluem figuras estereotipadas como Calamity Jane (Maria Woronov), Matilda the Hun (Roberta Collins), Nero the Hero (Martin Kove, o professor malvado de "Karate Kid"), Cleopatra (Leslie McRae) e Herman the German (Fred Grandy).
A história é contada a partir da perspectiva de Frankenstein e de sua nova navegadora, a linda e misteriosa Annie Smith (Simone Griffith). Desnecessário dizer que ambos terão um caso amoroso. Mas Annie guarda um grande segredo: é a filha da líder revolucionária Thomasina Paine, contrária a violenta corrida. Mas Frankenstein é um descontentado peão que tem os próprios planos para resolver os problemas da nação!
A corrida é narrada pelo repórter Bruce Junior (na vida real era o DJ Don Steele), um extravagante locutor que se enche de emoção durante todo o show automobilístico, quer se trate de um incidente inesperado ou o assassinato de um pedestre incauto. Sua figura é por si só uma deliciosa crítica à mídia em geral.



O percurso corta os EUA de leste a oeste em apenas três dias. Não só interessa chegar primeiro, como também marcar pontos durante o percurso, e os pontos somam-se atropelando pedestres! As pontuações diferem se as vítimas são adultos, crianças ou velhos. O humor engloba maluquices como a personagem de Matilda, uma nazista com fã-clube e Nero "o herói" lamentando que os meninos escoteiros correm muito depressa e portanto são difíceis de atropelar. Pode não parecer engraçado, mas a direção desinibida de Bartel nos mantém rindo o filme todo.

É a contra-cultura do entretenimento no seu maior esplendor, totalmente descomprometida e abusando de um tom inverosímil, mas com muito sangue nas rodas.
O orçamento pouco dava para encher o tanque dos carros, mas na Produtora New World de Rogerm Corman poupava-se em tudo, começando por cortar na vergonha (durante a prova são atropelados tanto o Papa como o presidente dos EUA!).

E o filme poupa também nos diálogos e no guarda-roupa, que inclui um topless de cada uma das mulheres, corredoras e navegadoras (especialmente as estonteantes Simone Griffet e Mary Woronov, celebrizada pela Factory de Andy Warhol).
Stallone e Carradine conduziram os carros durante a maior parte das cenas perigosas mas, como a maior parte das cenas em vias públicas foi rodada sem permissão, o próprio Roger Corman conduziu os veículos, porque até os dublês tinham receio de ser apanhados pela polícia.
CURIOSIDADES
Vários dos carros no filme são "tunings" (se é que podemos dizer que "tunar" um carro seja colocar-lhe dentes) de algum carro barato, incluindo um VW Karmann-Ghia (o carro canhão de Matilda). Um dos carros que persegue Frankenstein muito brevemente antes de explodir é um Ford Mustang. O carro de Nero foi feito com um Fiat 850 Spider, e o incrível "carro lagarto" de Frankenstein é um Chevrolet Corvette.

Baixo orçamento é isso aí. Note-se as portas duplas (completa com o sinal de "EXIT") e teto estranhamente alto deste bastante improvável "hotel". Posso apenas teorizar que no distante e caótico ano 2.000 os hoteis sejam lugares perigosos, talvez alvos de burlescos ataques de terroristas franceses. Por isso a necessidade de uma saída de emergência, inclusive com a famosa "barra antipânico"...
Sylvester Stallone é hilário e assume o papel de um corredor com trejeitos de gângster dos anos 30. Totalmente bizarro.

O filme, baseado em um conto, manteve apenas a premissas da história original escrita por Ib Melchior; os personagens e incidentes são todos diferentes. A história centrava-se apenas em um mecânico/motorista e um anti-corredor. Não incluía também o hilário presidente nem o super piloto Frankenstein. Não haviam coisas loucas como o fã clube nazista...

De acordo com Roger Corman, vários dos carros caracterizados para o filme foram depois vendidos a museus automobilísticos por uma quantia consideravelmente maior do que o custo de construí-los. Corman sempre teve bom olho para as oportunidades de fazer dinheiro. He he he
Sim, houve uma refilmagem que acaba de sair em DVD (não passou nos cinemas) com o "homem de ação Jason Statham". O novo filme tenta ser sério e verossímil, com muita pirotecnia, destruição, explosões, vinganças e é claro, uma lição de moral no fim. Em suma: totalmente o oposto do original. Será esquecido em minutos, enquanto o original continuará dando o que falar... mais de 30 anos depois de ter sido feito!
Subversão a toda prova! Em 1997 foi lançado “Carmageddon”, em que o jogador disputava corridas de carro em cidades e ganhava pontos com manobras arriscadas e atropelamento de pedestres. Um dos primeiros jogos politicamente incorretos da história, e que foi descaradamente copiado do “Death race 2000”. “Carmageddon” foi retirado das lojas. Seu segundo capítulo, “Carpocalypse Now”, foi lançado em 1998 e teve o mesmo destino no Brasil.

O papel de Frankenstein foi originalmente oferecido a Peter Fonda, que considerou o filme demasiado ridículo.

Explicando por que assumiu o papel do piloto Frankenstein, David Carradine disse: "Eu comecei esse filme duas semanas depois que terminei a série "Kung Fu", e que passou a ser essencialmente a minha imagem (o chinês). A idéia realmente era: Número um, se quiser um pé fora das séries televisivas, é melhor fazer um filme de imediato ou pode nunca chegar a fazer um. E a segunda coisa era a possibilidade de fazer uma coisa que iria criar a imagem de um monstro para me livrar do personagem chinês que interpretava a quatro anos. E, você sabe, ele deu o pontapé inicial da minha carreira cinematográfica. " Como muitos já sabem, David Carradine morreu recentemente (9 de junho) sob uma nêvoa de mistério num quarto de hotel em Bangcoc...
Foi definitivamente um grande ator dos filmes "B", merecidamente homenagiado por Quentin Tarantino em "Kill Bill". Ele vai fazer falta nas telas...
SOBRE O DVD: infelizmente o longa-metragem ainda não foi lançado no Brasil. Pelo que sei, foi lançado nos EUA e na Europa, na "Early Films Collection", em uma edição com alguns poucos extras. Para quem é fã e gostaria de ter esta preciosidade em DVD entre em contato. Possuo uma versão do DVD-região 2 com legendas em português (rub.records@yahoo.com.br)
TRAILER ORIGINAL DE DEATH RACE 2000

segunda-feira, 8 de junho de 2009

“GHOST WORLD – Aprendendo a Viver” (EUA, 2001)

Depois de terminarem o segundo grau, as adolescentes Enid (Thora Birch, de “Beleza Americana”) e Rebecca (Scarlett Johansson) debruçam-se sobre o que vão fazer da vida, considerando arranjar empregos e alugar juntas um apartamento, mas as realidades da vida adulta parecem querer afastá-las.


Ghost World é a adaptação do “comic book” underground de Daniel Clowes, o qual co-escreve o argumento com o diretor Terry Zwigoff, conhecido pelo seu documentário sobre o cartunista Robert Crumb.

O filme mostra um olhar incomum sobre os nerds e os perdedores que, apesar do seu potencial, acabam por ser sempre ignorados ou desprezados e, por isso, são quase invisíveis, como fantasmas. Com uma vida social praticamente nula, tornam-se gradualmente incapazes de estabelecer laços e relações com os as pessoas "normais" que as rodeiam, passando a habitar áridas esferas de solidão.

Apesar da história acompanhar duas adolescentes que acabam de terminar o segundo grau – centrando-se sobretudo em Enid, a partir de certa altura – o filme (e o quadrinho) não devem ser confundidos com o gênero muito popular da comédia americana de (e para) adolescentes.

A visão do mundo que nos apresenta, tem lá os seus momentos de humor, mas é extremamente irônica, pessimista e consistentemente sombria (apesar de algumas variações da cor do cabelo de Enid!). É justamente essa combinação pouco provável que afasta Ghost World de qualquer outra coisa semelhante a “American Pie”.

Entre trabalhar, entrar na universidade ou tentar arrumar um namorado, Enid opta por… nenhum dos três! Aliás, não só ela, mas também Rebecca.

O cotidiano das duas se resume a fazer planos para sair das casas dos respectivos pais e soltar, uma atrás da outra, tiradas e trotes ácidos sobre quem estiver por perto, conhecido ou não. Enid é uma pessoa solitária e irascível demais para manter relacionamentos de qualquer natureza.


O comportamento de Enid, ao longo do tempo, transforma a garota em alguém que o pai (Bob Balaban) e os amigos não compreendem.


Ela não é preguiçosa e nem tem medo de trabalhar, como Rebecca imagina. Tampouco é chata, como a maioria das pessoas que convivem com ela pensa, apesar do senso de humor volátil. Lésbica, como alguns acreditam? De jeito nenhum. Enid é apaixonada por Josh (Brad Renfro), rapaz que trabalha numa loja de conveniência, mas sua maneira de demonstrar amor é passar pelo posto onde ele trabalha, todo dia, e deixá-lo enfezado com brincadeiras irritantes. Seu jeito bruto, birrento e desleixado engana todo mundo. Ninguém a entende.

Com a exceção de Rebecca, a única outra alma no mundo com quem Enid simpatiza é Seymour (inspiradamente interpretado por Steve Buscemi), um colecionador de discos raros de blues que passa os dias num emprego burocrático e gasta as horas livres imaginando o que fazer para conquistar uma mulher, qualquer mulher. Como ela, Seymour é um pária que sofre de completa inadaptação social, com o agravante de que é menos inteligente, e portanto possui ainda menos facilidade para lidar com o problema – e é exatamente essa característica dele que mais atrai a garota. Em um filme normal de Hollywood, dois personagens assim estariam fadados a se apaixonar, apesar da diferença de idade. Não em “Ghost World”, cujo enredo segue por um caminho impossível de antecipar.


Com fotografia que deixa o mundo de Enid com um clima deprimente de subúrbio proletário, a cargo do brasileiro Affonso Beato, Terry Zwigoff criou uma pequena obra-prima. Usando de humor adulto, o diretor aborda a dura realidade das pessoas com dificuldade de adaptação social, de uma maneira que jamais soa arrogante, professoral ou amarga. Sim, há um clima evidente de melancolia que perpassa todo o longa-metragem, mas esse é exatamente o estado de espírito de Enid – alguém que sabe rir dos percalços que enfrenta, mesmo quando algo inesperado piora um instante que parecia não poder piorar. Como se não fosse suficiente, Zwigoff ainda criou um dos figurantes mais interessantes dos últimos tempos, na figura do velhinho que espera diariamente um ônibus vermelho cuja linha foi alterada – o que significa que o ônibus jamais passa. E o final do filme é imprevisível, alegórico e maravilhoso.

Enquanto a direção de Zwigoff não interfere com o material, mantendo-se fria e sóbria, permitindo ao espectador tirar as suas conclusões e decidir o que tem ou não tem graça.






Mesmo para quem não tenha lido o quadrinho, Ghost World é um filme que aborda as dificuldades de integração no mundo dos adultos, por parte de duas adolescentes que nunca se integraram no mundo dos adolescentes. Grande parte do mérito do filme está na sua despreocupação com o realismo, de forma que Enid e Rebecca, assim como todos os personagens que as rodeiam parecem estar irremediavelmente deslocados.


Outro aspecto fascinante do filme é a sua trilha sonora, que reflete bem a nostalgia dos personagens em cena. E a música é personagem também pois Seymour é colecionador de discos. Como já devem ter percebido que sou um fã incondicional do filme confesso também que adquiri o CD.

Mas dentre as faixas, que contém blues, jaz e outras maravilhas, encontrei o som de Skip James, com sua pérola "Devil Got My Woman". Nehemiah Curtis "Skip" James nasceu em 1902 e nos anos 20 gravou seus primeiros blues. Mas em meio a "Grande Depressão" os discos não venderam bem e James abandonou a música, só voltando a gravar muito tempo depois, nos anos 60, quando redescoberto pelos experts. O Blues de Skip é tão bom que tive que adquirir também o seu CD!


O universo de Ghost World é um fenômeno à parte. O criador do quadrinho Daniel Clowes não só ajudou na criação de um site exclusivo (www.ghostworld-themovie.com) como também criou alguns "brinquedos" temáticos do filme, como a boneca "Enid com acessórios". Impressionante!


SOBRE O DVD: A editora LW lançou o filme no Brasil. Não há extras verdadeiros, mas apenas escassas biografias dos atores. Como já está fora de catálogo, tive que vender minha alma para conseguir essa pérola...