segunda-feira, 8 de junho de 2009

“GHOST WORLD – Aprendendo a Viver” (EUA, 2001)

Depois de terminarem o segundo grau, as adolescentes Enid (Thora Birch, de “Beleza Americana”) e Rebecca (Scarlett Johansson) debruçam-se sobre o que vão fazer da vida, considerando arranjar empregos e alugar juntas um apartamento, mas as realidades da vida adulta parecem querer afastá-las.


Ghost World é a adaptação do “comic book” underground de Daniel Clowes, o qual co-escreve o argumento com o diretor Terry Zwigoff, conhecido pelo seu documentário sobre o cartunista Robert Crumb.

O filme mostra um olhar incomum sobre os nerds e os perdedores que, apesar do seu potencial, acabam por ser sempre ignorados ou desprezados e, por isso, são quase invisíveis, como fantasmas. Com uma vida social praticamente nula, tornam-se gradualmente incapazes de estabelecer laços e relações com os as pessoas "normais" que as rodeiam, passando a habitar áridas esferas de solidão.

Apesar da história acompanhar duas adolescentes que acabam de terminar o segundo grau – centrando-se sobretudo em Enid, a partir de certa altura – o filme (e o quadrinho) não devem ser confundidos com o gênero muito popular da comédia americana de (e para) adolescentes.

A visão do mundo que nos apresenta, tem lá os seus momentos de humor, mas é extremamente irônica, pessimista e consistentemente sombria (apesar de algumas variações da cor do cabelo de Enid!). É justamente essa combinação pouco provável que afasta Ghost World de qualquer outra coisa semelhante a “American Pie”.

Entre trabalhar, entrar na universidade ou tentar arrumar um namorado, Enid opta por… nenhum dos três! Aliás, não só ela, mas também Rebecca.

O cotidiano das duas se resume a fazer planos para sair das casas dos respectivos pais e soltar, uma atrás da outra, tiradas e trotes ácidos sobre quem estiver por perto, conhecido ou não. Enid é uma pessoa solitária e irascível demais para manter relacionamentos de qualquer natureza.


O comportamento de Enid, ao longo do tempo, transforma a garota em alguém que o pai (Bob Balaban) e os amigos não compreendem.


Ela não é preguiçosa e nem tem medo de trabalhar, como Rebecca imagina. Tampouco é chata, como a maioria das pessoas que convivem com ela pensa, apesar do senso de humor volátil. Lésbica, como alguns acreditam? De jeito nenhum. Enid é apaixonada por Josh (Brad Renfro), rapaz que trabalha numa loja de conveniência, mas sua maneira de demonstrar amor é passar pelo posto onde ele trabalha, todo dia, e deixá-lo enfezado com brincadeiras irritantes. Seu jeito bruto, birrento e desleixado engana todo mundo. Ninguém a entende.

Com a exceção de Rebecca, a única outra alma no mundo com quem Enid simpatiza é Seymour (inspiradamente interpretado por Steve Buscemi), um colecionador de discos raros de blues que passa os dias num emprego burocrático e gasta as horas livres imaginando o que fazer para conquistar uma mulher, qualquer mulher. Como ela, Seymour é um pária que sofre de completa inadaptação social, com o agravante de que é menos inteligente, e portanto possui ainda menos facilidade para lidar com o problema – e é exatamente essa característica dele que mais atrai a garota. Em um filme normal de Hollywood, dois personagens assim estariam fadados a se apaixonar, apesar da diferença de idade. Não em “Ghost World”, cujo enredo segue por um caminho impossível de antecipar.


Com fotografia que deixa o mundo de Enid com um clima deprimente de subúrbio proletário, a cargo do brasileiro Affonso Beato, Terry Zwigoff criou uma pequena obra-prima. Usando de humor adulto, o diretor aborda a dura realidade das pessoas com dificuldade de adaptação social, de uma maneira que jamais soa arrogante, professoral ou amarga. Sim, há um clima evidente de melancolia que perpassa todo o longa-metragem, mas esse é exatamente o estado de espírito de Enid – alguém que sabe rir dos percalços que enfrenta, mesmo quando algo inesperado piora um instante que parecia não poder piorar. Como se não fosse suficiente, Zwigoff ainda criou um dos figurantes mais interessantes dos últimos tempos, na figura do velhinho que espera diariamente um ônibus vermelho cuja linha foi alterada – o que significa que o ônibus jamais passa. E o final do filme é imprevisível, alegórico e maravilhoso.

Enquanto a direção de Zwigoff não interfere com o material, mantendo-se fria e sóbria, permitindo ao espectador tirar as suas conclusões e decidir o que tem ou não tem graça.






Mesmo para quem não tenha lido o quadrinho, Ghost World é um filme que aborda as dificuldades de integração no mundo dos adultos, por parte de duas adolescentes que nunca se integraram no mundo dos adolescentes. Grande parte do mérito do filme está na sua despreocupação com o realismo, de forma que Enid e Rebecca, assim como todos os personagens que as rodeiam parecem estar irremediavelmente deslocados.


Outro aspecto fascinante do filme é a sua trilha sonora, que reflete bem a nostalgia dos personagens em cena. E a música é personagem também pois Seymour é colecionador de discos. Como já devem ter percebido que sou um fã incondicional do filme confesso também que adquiri o CD.

Mas dentre as faixas, que contém blues, jaz e outras maravilhas, encontrei o som de Skip James, com sua pérola "Devil Got My Woman". Nehemiah Curtis "Skip" James nasceu em 1902 e nos anos 20 gravou seus primeiros blues. Mas em meio a "Grande Depressão" os discos não venderam bem e James abandonou a música, só voltando a gravar muito tempo depois, nos anos 60, quando redescoberto pelos experts. O Blues de Skip é tão bom que tive que adquirir também o seu CD!


O universo de Ghost World é um fenômeno à parte. O criador do quadrinho Daniel Clowes não só ajudou na criação de um site exclusivo (www.ghostworld-themovie.com) como também criou alguns "brinquedos" temáticos do filme, como a boneca "Enid com acessórios". Impressionante!


SOBRE O DVD: A editora LW lançou o filme no Brasil. Não há extras verdadeiros, mas apenas escassas biografias dos atores. Como já está fora de catálogo, tive que vender minha alma para conseguir essa pérola...


13 comentários:

  1. Tenho esse filme na minha coleção. Assisti com muita expectativa e acabei me decepcionando. Não é ruim, mas não vejo razão para tantos elogios que ele recebeu.

    ResponderExcluir
  2. tbm adoro o ghost world.Tem um filme raro (só não sei se bom) da vanessa paradis com o gerard depardieu (combinação esquisita) o nome do filme é Elisa em nome da honra.Queria saber se saiu em dvd.Abraços.

    ResponderExcluir
  3. Duete, sou o primeiro a adimitir que o Ghost World é um tanto hermético e autoral. Mas minha experiência com o filme começou com o quadrinho, ou seja, com o universo de Daniel Clowes e seu humor ácido, esquisito e nerd. E o filme captou muito bem essa mistura e ainda acrescentou uma nostalgia, uma desilusão mascarada, um deslocamento que me cativou logo de cara. Acredito que Ghost World é o tipo de filme que deve ser assistido várias vezes e, de preferência, acompanhado pois remete um bom papo no fim. Mas veja bem, sou um fã... rsss

    ResponderExcluir
  4. Pra mim, é um dos grandes filmes dessa década fácil. Uma verdadeira obra de arte. Engraçado que é impossível deixar de se identificar com todos os protagonistas da história. Sejam as meninas, o Renfro ou o próprio Buscemi. E eu adoraria não só ter a trilha sonora do filme, mas como os discos citados nele, que não tocam. É um filmaço sobre estudo não só de personagens, como de comportamento humano. E tb da própria adaptação de uma obra.

    Mas discordo de vc sobre Zwigoff. Pra mim a direção dele interfere no filme sim, e esse é um dos motivos que o deixa tão poderoso e singular, além do texto, é claro. Ele usa bem a variedade massiva de cores que eu não sei se os quadrinhos possuí ou não em função do filme, fazendo quase OUTRO personagem do filme, além da música.


    "Entre trabalhar, entrar na universidade ou tentar arrumar um namorado, Enid opta por… nenhum dos três! Aliás, não só ela, mas também Rebecca."

    A Rebecca arruma um trabalho no Starbucks sim. Aliás, ela é uma que no filme me parece ser mais lésbica que a Enid e dá impressão mesmo que tem paixão não resolvida por ela. Talvez por isso mesmo que ela é a única das duas que faz um esforço para mudar de personalidade. Se tornar mais "comum". Mais sociável.

    ResponderExcluir
  5. kara esse filme è tdu..eu queria saber o nome do cantor ENID esta dançando e vendo a fita no começo sabe ?

    bom amo esse filme

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Jan Pehechan-Ho , Mohammed Rafi
      https://www.youtube.com/watch?v=aHA_S48KRrI

      Excluir
  6. DONNIE DARKO esse filme è de 2001 muito bom mesmo...

    ResponderExcluir
  7. Música inicial: Jaan Pehechaan Ho - Mohammed Rafi

    Abç

    Carol

    ResponderExcluir
  8. visite http://my-yellow-bricks.blogspot.com
    é o meu filme favorito, me identifico tanto com a Enid... @e_chery

    ResponderExcluir
  9. Um bom filme ,queria adiquirir o quadrinho.

    ResponderExcluir
  10. Esse filme tem aki na loja de 1,99 perto de casa!! Resolvi pesquisar sobre ele pra ver se valia a pena! Por isso acabei encontrando este blog!! Nesse 1,99 tem várias cópias por R$ 5,99!! Vou lá buscar o meu agoraaaaa!!

    ResponderExcluir
  11. Pessoal já comprei o meu Dvd Ghost World por R$ 5,99, ainda restam mais três nesta loja que se chama Teddy Presentes!

    ResponderExcluir
  12. Excelente a dica do Scarpeli. O DVD do Ghost World está fora de catálogo em muitos lugares, mas de vez em quando aparecem alguns lotes. É preciso procurar...rs

    ResponderExcluir