sábado, 16 de maio de 2009

THX 1138 (1971)

O primeiro filme dirigido por George Lucas (de Star Wars) é uma obra arrebatadora que transcende o gênero da ficção científica. A supressão do indivíduo pelo totalitarismo do sistema ganhou uma dimensão nova nesse filme. E não é dificil notar as profundas influências de célebres obras como "Admirável Mundo Novo" de Aldous Huxley e "1984" de George Orwell. Lucas foi muito corajoso em fazer sua estréia no cinema com um filme tão "experimental" para a época. As cenas são filmadas com maestria, os ambientes são minimalistas e a linguagem do filme é quase documental.

No futuro vislumbrado no filme, ciência e tecnologia são utilizadas como poderosos instrumentos de dominação, conformismo e alienação.

A sociedade vive em cidades subterrâneas controladas por computadores, onde a dimensão moral estatal, a religião, o mercado e a consciência dos sujeitos parecem ter se fundido em uma unidade. Consumo e trabalho, assim como as pessoas, são massificados. Não há nós e eles, apenas nós. Nomes, claros sinais de individualismo, foram abolidos.


As pessoas são classificadas por letras e números. Uma sociedade de autômatos humanos onde todos vestem idênticos uniformes brancos. Todo o individualismo é suprimido, as manifestações de amor são proibidas e a reprodução é feita em laboratório. A afetividade foi banida e o consumo de drogas entorpecentes é obrigatório.


As máquinas e computadores são onipresentes e andróides sem rosto zelam pela segurança e pelo cumprimento das leis.


Neste mundo, cada pessoa compartilha um cubículo com um parceiro compatível escolhido pelos computadores. Todos os cidadãos, trabalham muito, desempenhando à perfeição suas funções, sem oscilações, sem questionamentos.



THX 1138 (Robert Duvall) é mais um desses cidadãos sem nome, carecas e sempre de branco nesta sociedade branca.









Técnico de uma fábrica de robôs, ele vive a rotina normal de todos os habitantes, que inclui a confissão com uma entidade religiosa cibernética e o consumo rotineiro de drogas para manter-se"equilibrado".


Quando sua companheira LUH 3417 (Maggie McOmie) pára de tomar suas drogas, substitui também as de THX por pílulas inativas.


Os sentimentos despertados fazem com que se apaixonem. Em seu novo estado de percepção, o casal decide fugir do subterrâneo e isso acaba levando-os à prisão por "crimes sexuais" e "evasão de drogas".


O comportamento socialmente esperado é mantido à base de um conjunto de procedimentos médicos que lançam mão de poderosas drogas terapêuticas.


Aqueles que não se alinham terapeuticamente sofrem as sanções do Estado e das massas. Ou se reabilitam, ou reciclados (leia-se "mortos").

Não é um filme fácil de se digerir. O painel de opressão, frieza e alienação pintados em THX o tornaram imediatamente um exemplar do cinema autoral, uma obra de arte cinética, que nada tem a ver com entretenimento.


Em THX, ataques de consciência podem levar o sujeito a buscar apoio e conforto em uma espécie de confessionário computadorizado. A confusão mental é dissipada com palavras suaves, pausadas e motivadoras de um computador. O ato de confissão católica nunca mais será a mesmo depois de vê-lo reimaginado nesse filme. Consumo, religião e trabalho são mesclados e transformados em formas de alienação das massas.


Do ponto de vista estético, THX 1138 é um triunfo, construído a partir de composições e ângulos de cena ousados e originais, com uma cinematografia espetacularmente calcada na cor branca. A prisão onde o personagem principal é conduzido é um exemplo, uma espécie de 'nada' branco sem paredes, opressivo como nenhuma outra prisão com grades poderia ser.


Opressivo é, na realidade, o tom que parece exalar de todas as tomadas do filme. Visualmente o filme é minimalista e essa é uma de suas virtudes. O branco reforça o ambiente estéril e frio, transmitindo o isolamento entorpecente deste mundo futuro.


George Lucas, queria originalmente filmar o filme no Japão, pois a sua visão única de ordem social, autoritarismo e consumismo encontraria forma na arquitetura do japão moderno. Apesar de não poder ir ao japão, Lucas foi criativo e soube aproveitar excelentes locações reais como o "Marin County Civic Center" da Califórnia, projetado pelo arquiteto Frank Lloyd.



Partindo de um curta-metragem concebido pelo próprio George Lucas durante a faculdade, o conceito desta ficção científica de difícil assimilação tinha a intenção (segundo o mesmo) de colocar na tela o modo como Lucas enxergava a sociedade da época.


THX 1138 foi produzido pela American Zoetrope, estúdio fundado por Francis Ford Coppola. Realizado de forma completamente independente, como ditavam as idéias por trás do novo estúdio, o filme acabou sendo depois mutilado pela Warner, que simplesmente detestou o produto obtido com o financiamento inicial fornecido e cortou a verba de distribuição e divulgação a quase nada.


Curiosidades: Quando George Lucas viveu na região da baía de San Francisco, onde as cenas dos túneis foram filmadas, um dos seus números de telefone era 849-1138. THX corresponde às letras encontradas nos botões 8, 4 e 9 do teclado do telefone. A empresa cinematográfica de sistemas de som THX Ltda foi fundada pela Lucasfilm e foi batizada após este filme. THX oficialmente significa “Tomlinson Holman’s eXperiment”.


Parábola amarga, "THX 1138" faz uma avaliação do perigo da crescente dependência de tecnologia em nossas vidas. Mas o diretor não abandona a crença de que, mesmo o homem mais comum é um rebelde. E apesar de todos os aparatos tecnológicos de sedação e controle, THX 1138 se revolta contra o sistema e recobra sua consciência.


A claríssima cinematografia é uma revelação. Os personagens e suas múltiplas camadas são maravilhosos. Donald Pleasence é simplesmente assustador. A forma como as tomadas são lentas em cada cena em vez da contemporânia enxurrada de cortes é um alívio. E a temática extremamente adulta do filme não é o que se esperaria do George Lucas de hoje. Sucinta a pergunta de porque o Sr. Lucas não continuou a explorar temas tão complexos em seus filmes posteriores.


SOBRE O DVD: Em 2004 George Lucas remontou o filme em seu formato original, acrescentou cenas excluídas, remasterizou-o digitalmente em formato Widescreen e lançou a Versão do diretor em DVD duplo, também lançado aqui no Brasil. Além do filme, o DVD inclui comentários do diretor e do produtor de som Walter Murch, trailers e documentários. Há também o curta original "Labirinto Eletrônico: THX 1138 4EB". A crítica e os fãs de Lucas reagiram positivamente.

10 comentários:

  1. putz! eu queria ver esse filme....

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  2. nem sabia desse filme, belo texto meu amigo, não imaginava que vc ocultava este talento! muito bom. Gostei muito do texto do PAGUE PRA ENTRAR REZE PRA SAIR, acho muito bom esse filme, e o teu aprofundamento no assunto foi de um fino trato, coisa que não se encontra, com qualidade, no que diz respeito a esses filmes. continua com isso!

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  3. Me lembro de em 95 assistir este filme em uma aula de introdução a sociológia na UNB. Lembro que eu vibrava com toda aquela assustadora lentidão, palides e carrego conceitual. Lembro de um gordo babando ao meu lado e que a turma apática ficava calada ao redor de mim, uma linda japonesa grunge, um nerd falastrão e sorridente e a professora sexy chilena. Até hoje não consigo ter raiva do Lucas por nada...

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  4. Raro conhecer alguém que dá o devido mérito a essa obra-prima.

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  5. GOSTEI MT DO TEXTO,APRESENTOU CLARAMENTE OS PRINCIPIAS TEMAS DO FILME!

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  6. um dos meus filmes prediletos que falam sobre temáticas de sociedades e tal.
    tomei conhecimento pelo pai, que um dia chegou em casa e pediu pra eu baixar o filme "THX" que ele tinha muita vontade de rever, nunca eu tinha ouvido falar e como ele disse q o filme era do inicio dos anos 70 nao acreditei que fosse encontrar tao fácil na net mas me enganei, lembro que foi por volta de 2005, tanto que baixei a versao remasterizada de 2004... há outros filmes antigos futuristas como Blade Runner, Laranja Mecanica e até o Admirável Mundo Novo que tb retratam sociedades futuristas...

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  7. Aproveitando, que falei deste filme enquanto comentava sobre o Dr. Lao:
    me remeteu a um mix de alguns livros e filmes - certamente bebeu da fonte de alguns e talvez tenha sido o precursor de outros - tais quais 1984, Admirável Mundo Novo, Matrix, A ilha...
    Bom filme. Realmente "experimental", como se usa classifica-lo... mas vale a pena.
    Diego
    Santa Maria/RS

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  8. Pesquisando sobre o filme,achei o seu site.
    Texto que não é cansativo e enxuto.
    Adorei :).
    E em falar sobre o filme,ele vai passar daqui a pouco ás 05:35 no canal a cabo Max Prime.
    Beijos.

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