sábado, 19 de fevereiro de 2011

GÊMEOS, MÓRBIDA SEMELHANÇA (Dead Ringers, 1988)

Grande parte da carreira do cineasta David Cronenberg foi dedicada à exploração dos mais estranhos medos, entre os cantos mais inquietantes da psicologia humana e da sexualidade. E de fato Cronenberg criou um dos cinemas mais autorais que conheço, com filmes sobre emoções primitivas através do "horror corporal". Nessa veia pode-se destacar VIDEODROME e CRASH, de enredos cheios de sexo e sentimentos que parecem "brotar" do inconsciente secreto e grotesco.

Pelo menos sob o aspecto do grotesco, o filme GÊMEOS, MÓRBIDA SEMELHANÇA (Dead Ringers, 1988) é um dos mais mansos filmes de Cronenberg. Se por um lado o filme não choca com as usuais imagens viscerais do diretor, de outro pode-se dizer que o filme dos GÊMEOS é possivelmente o seu mergulho mais perturbador no interior da consciência humana.

Esta é a história dos gêmeos (ginecologistas!) Elliot e Beverly Mantle (ambos interpretados, através de efeitos especiais, por Jeremy Irons), que são tão próximos que suas identidades parecem interligadas em uma espécie de "consciência conjunta".

Na verdade, eles se aproveitam de sua aparência idêntica para trocar de lugar um com o outros à vontade, se revezando em aparições públicas, na realização de cirurgias e, até mesmo, compartilhando as mulheres que se envolvem.

O arrogante e confiante Elliot se completa com o tímido e doce Bev, Na verdade, duas faces da mesma personalidade, completando um ao outro para formar uma pessoa inteira. E o mais assustador é que nenhum deles poderia realmente existir independentemente.

No entanto, Bev decide por tentar romper esse elo íntimo entre irmãos, quando ele se apaixona pela estrela de cinema Claire (Geneviève Bujold).


Esse romance começa como apenas mais uma das conquistas mútuas dos irmãos e como de costume, Elliot (mais confiante) primeiro seduz e dorme com ela para então permitir que Bev tome seu lugar na noite seguinte.


Mas quando o vínculo de Bev com Claire começa a ameaçar a ligação entre os irmãos, as coisas começam a dar errado.

O filme é um estudo sobre o pesadelo da dependência psicológica, das obrigações entre as pessoas saudáveis (simbolizado pelo sonho horrível em que Bev imagina ele e seu irmão, unidos por um cordão umbilical de carne, que Claire tenta morder).


Dead Ringers certamente traz algumas imagens com a indelével assinatura Cronenberguiana. Mas na maioria das vezes o seu "horror corporal" é mais psicológico e interno e menos expostos pelo sangue e a carne.


Quando Bev, enlouquecido pelo isolamento e pela dor, simplesmente revela o seu conjunto de instrumentos para operar "mulheres mutantes", sentimos um calafrio visceral e entramos numa das partes mais sombrias desse filme genial.


Ao localizar o horror do filme quase que inteiramente nas mentes dos gêmeos, Dead Ringers se torna um dos melhores exemplos do talento de Cronenberg, talvez a sua obra mais sofisticada.


Ok, quer ficar ainda mais assustado? O filme foi inspirado em um história Verdadeira: o caso ainda não solucionado de Stewart e Marcus Cirilo, gêmeos ginecologista de 45 anos de idade que foram encontrados mortos em seu apartamento em 1975. E eles, à época de suas mortes, se tornaram viciados em barbitúricos.

Eu pessoalmente gosto muito mais do diretor Cronenberg dessa antiga fase. Os filmes mais recentes do diretor, como "Marcas da Violência" e "Senhores do crime" são bons, mas estão por demais encaixados no cinema de mainstream , afastados das temáticas inquietantes que marcaram filmes como "Videodrome" e "A Mosca".

David Cronenberg ainda é um dos diretores mais autorais no mercado. Mas diferente de David Linch, que ganhou respeito dos acadêmicos, Cronenberg singrou por gêneros considerados "menores", como o terror e a ficção científica.

Talvez seja por isso que tenha, na sua velhice, se aproximado do gênero dramático, muito mais acessível para o grande público e sem o estigma maldito dos filmes "B" que espanta os críticos e acadêmicos.

SOBRE O DVD: o filme nunca foi lançado em DVD aqui no Brasil. Acredito que isso ainda pode acontecer, visto que o "Crash" e o "The Brood" acabam de ser lançados. Mas por enquanto ficamos apenas na esperança. Para quem nunca viu vale a pena assistir. O DVD que consegui foi importado da Espanha, mas conta com legendas em português e alguns extras legais. Quem não achar por aí e quiser muito, pode entrar em contato (rub.records@yahoo.com.br)

TRAILER DO FILME



ENTREVISTAS COM IRONS E CRONENBERG

12 comentários:

  1. Excelente texto, gostei bastante. E obrigado pelos comentários lá no "Diário de Um Estripador".

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  2. Valeu jack. Eu pessoalmente acredito que o Cronenberg é um dos maiores diretores de cinema que já tivemos. Infelizmente, por conta da pressão da indústria cinematográfica ele parece estar em um processo de abrandamento contínuo da temática de seus filmes...

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  3. Assisti esse filme recentemente e devo admitir que fiquei assombrada durante dias...ótimo post de um grande filme!

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  4. Pois é Wal. O Cronenberg tem esse efeito com seus filmes. As temáticas e as imagens que ele evoca parecem estar sempre no limite do subconsciente, como um pesadelo que assombra a gente! E na maior parte das vezes não entendemos muito bem o porquê de ficarmos tão assustados e agustiados com os seus filmes...rs

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  5. Rubens, devo discordar da sua afirmação sobre Cronenberg ter "suavizado" a obra por pressão da indústria ou para agradar a crítica ou um público mais amplo. O próprio "Gêmeos..." já é uma ruptura dentro de sua filmografia, pois a escatologia da década de 80 nunca foi retomada e seu cinema segue, agradando ou não, em contínua tranformação, e dependendo do ponto de vista, em evolução. No entanto, apesar das mudanças estéticas, as preocupações filosóficas e discussões propostas continuam similares e coerentes dentro da obra como um todo. Citando os mesmos filmes que você (Marcas da Violência e Senhores do Crime), é possível encontrar tópicos que fazem conexão com os outros exemplares anteriores, como personalidades dissociativas, dicotomia interior e o fetiche pelo corpo entre outros.
    Especulo por minha conta que hoje Cronenberg prefere veicular seu pensamento desta forma por vivermos um momento em que a psicologia é mais relevante do que a interação entre corpo e tecnologia era nos anos 80, quando ele, como vanguardista que sempre foi, tocava neste assunto de forma radical.
    A favor do meu argumento, cito especialmente a HQ na qual Marcas da Violência foi baseada. Por um feliz acaso, quando a produção do filme foi anunciada eu já havia tido oportunidade de lê-la, e confesso ter achado no mínimo estranha essa escolha de projeto. Ao assisti-lo constatei que um autor de verdade ainda é um autor mesmo quando adapta o material alheio, quase sempre melhorando-o, e concluí que as deformidades do passado continuavam presentes no trabalho do cineasta que eu tanto admirava, porém, agora elas eram internas, mas nem por isso menos inquietantes.

    Parabéns pelo blog!
    Abraço,

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  6. Cronenberg para mim é o Wim Wenders da podreira, eu sou apaixonado pelo seus trabalhos dessa fase e ainda me admira a obra pesada e depressiva, triste, pertubadora e maternal do filme SPIDER, o personagem se perdendo nas proprias teias de sua mente. O grande problema do Cronenberg foi ele ter deixado as podridão de lado e abraçado um estilo que me pego pensando porque ele não faz mais filmes como CRASH, A MOSCA, GÊMEOS...o negocio é rever a fase grotesca desse grande diretor (uma coisa que eu faço e não me canso de ver rever seus filmes)prefiro pensar que ele não se vendeu para a industria mas talves é uma coisa que ele sempe quis experimentar e acabou gostando desse novo estilo limpo.

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  7. ótima resenha rapaz.

    Para quem quiser, eu disponibilizei o filme via torrent no meu blog.

    http://aprivadacult.blogspot.com.br/2012/05/dead-ringers-aka-gemeos-morbida.html

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  8. Acho que todas as pessoas que comentaram aqui (inclusive eu) são fãs do diretor Cronenberg. E a importância do legado desse cineasta é indiscutível, principalmente pela sua ousadia e sua visão tão particular da humanidade. Eu continuo ansioso para ver cada novo filme do Cronenberg e sempre vejo boas questões humanas abordadas nos seus filmes. Mas a "nova safra" desse diretor não me impressiona como antigamente. Ele continua sendo um grande cineasta, mas basta vermos o "Método Perigoso" para vermos que esse "novo Cronenberg suavisado" tem competência de sobra e ousadia de menos. Continuo fã, mas que o cara mudou, isso não dá para negar.

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  9. O filme acabou de ser lançado em DVD pela Versatil.

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  10. O filme foi lançado em DVD pela Versatil recentemente.

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  11. É isso mesmo Claudio. A Versátil lançou o DVD e vale a pena pegar a edição pois a imagem está muito boa.

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  12. Filmaço.
    Vi na estréia aqui no Brasil (no distante ano de 1990).
    O diretor fez A Mosca (obra-prima),esse filme e só entregou outro bom filme com Marcas da Violência.
    Parece que ele perdeu o jeito de fazer um bom filme.

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